outubro 09, 2010

A falta de cidadania




Mais uma vez, estava eu indo em direção ao interior. Assim que eu chegara o vendedor da passagem disse que meu ônibus estava de partida imediata. Esquivei-me e, subitamente, escalei as escadas que levavam ao interior do veículo, sentando-me na parte lateral esquerda, no finalzinho do corredor.

Peguei meu fone e coloquei algumas músicas aleatórias, aliadas ao friozinho do ar sobre a minha cabeça. Recostei-me à poltrona e, aos poucos, cautelosamente, fui esvaindo no sono bom de uma tarde de diversas atividades.

Passada algumas horas (não sei quantas), comecei a despertar. Ainda não havia chegado, porém, alguma movimentação interna estava se erigindo. Fitei meus olhos em uma mulher (por volta dos 50) assentada próxima à porta do veículo, a qual parecia discutir com o motorista acerca de uma outra senhora bem mais idosa, cabelos alvos como a neve, frágil, indefesa. Passados alguns minutos, entendi do que se tratava. A senhora teria que descer na próxima parada e a mulher insistia que o motorista a esperasse para que a mesma atravessasse a própria senhora até o outro lado da pista. Não tinha captado bem a história por completo, pois meus olhos ainda estavam focalizando a situação...

O que ocorreu foi que o motorista não aceitou esperar. A senhora desceu, sozinha. A mulher revoltou-se. Indignada por conta da partida do motorista, esbravejou acintosamente um monólogo sobre a falta de cidadania da sociedade. ""E se fosse a sua mãe, você esperaria? - disse a mulher ao motorista. "É por isso que o nosso país está como está, é muita hipocrisia, falta de cidadania! E se ela morresse no meio do caminho. Onde está a democracia? Absurdo!!!"
Pensei que fosse existir algum conflito ainda pior. A mulher parecia fora de si. Olhando mais firmemente, pude perceber algumas latas, talvez de cerveja, em suas mãos. (...)

Não querendo taxá-la de embriagada, pois obviamente ela estivesse. Contudo, aquelas palavras penetraram no meu interior. Verdades se amontoaram peremptoriamente. Realmente, aquela senhora não tinha condições físicas e biológicas como as nossas para atravessar, sozinha. De fato, somos hipócritas quando levantamos a bandeira da solidariedade mas na hora "H", esquecemos de tudo que propomos. Empalideci, não de medo, mas de vergonha. Não tinha nem forças para me levantar, porque os pensamentos estavam pesados, dinâmicos, saltavam pela interconexão cerebral.

Pediram para ela se calar. Estava "perturbando o ambiente". 

Quanta falta de cidadania...
Acredito que mesmo embriagada, as palavras voavam impregnadas de fortes verdades para todos nós que ali estávamos.

E eu? Estava perturbado, pensando naquela pobre senhora que ficou para trás...


Um comentário:

Bruniele Souza disse...

uau!!
Que situação hein??
:(
A cidadania que conhecemos é:
CALE-SE E ACOMODE-SE
o que passar disso é discurso de ESQUERDA!
:p
ATÉ QUANDO...